Discutir
a problemática da Descentralização e Regionalização, orientar caminhos
esclarecendo as inconveniências e relevâncias são conteúdos fundamentais para a
materialização da Democracia – assegurando esta que é uma das principais matrizes
do Estado Moderno que é à “devolução de podres”, expressão utilizada para
classificar o movimento da transferência de atribuições do Estado para outras
colectividades territorial – nomeadamente o poder local. Neste sentido, “basta
que haja autarquias locais, como pessoas colectivas distintas do Estado para
que exista juridicamente descentralização”[1]. Havendo
uma realidade contraditória, em que as atribuições administrativas são
exclusiva do Estado estaria perante um Estado centralizador.
Para
se definir um Estado descentralizador no plano jurídico teríamos de estar
perante um sistema em que a função administrativa não esteja circunscrita
apenas ao Poder Executivo. E no caso de Cabo Verde a Constituição de 92, consagra
a existência de autarquias locais e dotadas de órgãos representativos; eleita
pelos seus respectivos cidadãos, autónoma financeiramente e com patrimónios
próprios. Nesta configuração, dir-se-á que estamos perante uma descentralização
em sentido político-administrativo, quando os órgãos das autarquias são
livremente eleitas e a lei considera independência nas suas atribuições e
competências. Temos de salientar as noções centralização e descentralização na
lógica jurídica “são conceitos absolutos – ou existe uma, ou existe outra – ao
passo que no sentido político-administrativo, os conceitos centralização e
descentralização são conceitos relativos: poderá haver mais ou menos
centralização, haverá mais ou menos descentralização, é tudo uma questão de
grau. Dificilmente haverá neste sentido, um sistema totalmente centralizado ou
totalmente descentralizado.”[2]
Considerando
estes dois conceitos diria que na I República, o Estado foi centralizador, no
raciocínio teórico de que o Estado devia ser unitário e todas as atribuições
administrativa conferia-lhe. Só timidamente nos finais dos anos oitenta, mesmo
considerando o Poder Local como um Órgão de Soberania (art.º 49), podemos
“considerar que os concelhos não eram autarquias locais, mas meras
circunscrições administrativas lideradas por um funcionário público nomeado
pelo Governo Central para representá-lo nas suas diversas áreas territoriais”[3]. A
designação de município não existia durante muito tempo, só introduzido a
partir da Lei Bases das Autarquias Locais de 89, definindo regras de
organização e de funcionamento das Autarquias.
Dito
isto, a conclusão que se tira é que durante a I República deu-se pouca
importância ao Poder Local e conferiu-se poucos atributos administrativos aos
autarquias, situação que se irá inverter-se com a aprovação da Constituição de 92,
onde é plenamente reconhecido as atribuições e competências a entidade Local. Se
um dos ganhos da Constituição de 92 refere-se a descentralização, estamos
cientes de que ela, segundo Freitas de Amaral só pode ser mais ou menos
descentralizada. Qualquer que for o grau da descentralização em Cabo Verde, ela
depende sempre da Constituição.
O
quadro legal a descentralização político-administrativo estabelece a relação de
poder existente entre o Poder Central e o Poder Local. E é nessa perspectiva,
tendo em conta relatividade do grau da descentralização, o Modelo de
Descentralização em Cabo Verde – Intermédio. Não é forte, porque não permite a
criação duma forma de Governo; não possibilita a autonomia e não coloca limites
à presença do poder central nos municípios. Também não é Fraca, no sentido de
colocar de lado todos os actores políticos, caracterizando-se no congelamento
do processo de descentralização.
De
momento o Modelo de Descentralização é Intermédia, privilegiando o esforço da
municipalidade, do que na criação de novas formas de administração local
supra-nacionais, o que se quer dizer a Regionalização política. Antes de
debruçarmos relativamente sobre a problemática Regionalização, há que salientar
as inconsciências e relevâncias da descentralização.
Num
cenário arquipelágica e de escassos recursos financeiros, de fraca formação
profissional e de alguma descoordenação municipal. As desvantagens da
descentralização “geram alguma descoordenação no exercício da função
administrativa; abri portas ao mau uso dos poderes discricionários da
Administração por parte de pessoas nem sempre bem preparadas para exercer a
função. Mas o campo das vantagens é muito mais alargado, a descentralização
garante as liberdades locais, servindo de base a um sistema pluralista de
Administração Pública; proporciona a participação dos cidadãos nas tomadas de
decisões em matéria de interesse local; permite os problemas sensíveis as
populações locais e facilita a mobilização das iniciativas e das energias
locais para as tarefas de administração públicas. E em princípio, é a solução
mais vantajosa em termos de custo-eficácia.”[4]
Tem-se
debruçado muito sobre a problemática da regionalização, e muitos são os modelos
defendidos e apresentados. A ênfase dos discursos políticos em Cabo Verde, nas
mais diversas esferas partidárias e de sociedade civil debruça-se na
necessidade de que cada ilha ou região tem a sua particularidade e a
potencialidade de rentabilizar estes recursos teriam maiores benefícios se
houvesse uma forte descentralização da administração pública – na óptica de
quase uma autonomia alargada ou por região/ilhas ou por agrupamento de ilhas.
Wladimir
Brito[5], defende
por exemplo que a questão da organização administrativa em Cabo Verde deve ser
debatida, não a partir de modelos exteriores, sim, tendo em conta a dimensão
geodemográfica, a natureza insular e a relação beneficio/custo. E que a
problemática da regionalização deve ser tratada sob este ponto de vista,
prestando atenção a aproximação das instituições públicas – quer integram a
administração autónoma, quer directa quer indirectamente – deve ser a principal
preocupação na escolha dos modelos de organização administrativa do país. Acresce
a tudo isto que num país arquipelágico, toda essa organização não pode perder
de vista três grandes vectores, a saber:
1. - A complementaridade inter-ilhas
ou entre conjunto de ilhas;
2. - A solidariedade intra-ilha e
inter-ilhas;
3. - A racionalidade do modelo de
organização.
Os
dois primeiros vectores decorrem da natureza insular do país e o último tem uma
natureza económico-financeira e funcional que determina a necessidade de
rentabilizar meios humanos e materiais e de racionalizar a sua utilização.
Só
que para se chegar a este grau de descentralização – Regionalização – o Governo
teria em primeiro lugar de efectuar um estudo multidisciplinar para que ao
concretizar a autonomia ilha ou grupo de ilhas o Governo teria de ter um
verdadeiro conhecimento sociocultural e económico do modelo seguido, tirando
assim maior proveito das potencialidades regionais. Mas também teria o Governo
que buscar a concentração no reforço das capacidades humanas, financeiras e
infra-estruturais e procura conjugar, ponderar e harmonizar o processo de descentralização
com o processo de desconcentração, enfim, o mandamento constitucional de
devolução de poderes com outro mandamento constitucional de provimento de
serviços públicos eficientes e de qualidade.
Rony Moreira
Rony Moreira