quinta-feira, 8 de maio de 2014

A PROBLEMÁTICA DA REGIONALIZAÇÃO E DESCENTRALIZAÇÃO POLÍTICA EM CABO VERDE: QUE CAMINHOS?

Discutir a problemática da Descentralização e Regionalização, orientar caminhos esclarecendo as inconveniências e relevâncias são conteúdos fundamentais para a materialização da Democracia – assegurando esta que é uma das principais matrizes do Estado Moderno que é à “devolução de podres”, expressão utilizada para classificar o movimento da transferência de atribuições do Estado para outras colectividades territorial – nomeadamente o poder local. Neste sentido, “basta que haja autarquias locais, como pessoas colectivas distintas do Estado para que exista juridicamente descentralização”[1]. Havendo uma realidade contraditória, em que as atribuições administrativas são exclusiva do Estado estaria perante um Estado centralizador.        

Para se definir um Estado descentralizador no plano jurídico teríamos de estar perante um sistema em que a função administrativa não esteja circunscrita apenas ao Poder Executivo. E no caso de Cabo Verde a Constituição de 92, consagra a existência de autarquias locais e dotadas de órgãos representativos; eleita pelos seus respectivos cidadãos, autónoma financeiramente e com patrimónios próprios. Nesta configuração, dir-se-á que estamos perante uma descentralização em sentido político-administrativo, quando os órgãos das autarquias são livremente eleitas e a lei considera independência nas suas atribuições e competências. Temos de salientar as noções centralização e descentralização na lógica jurídica “são conceitos absolutos – ou existe uma, ou existe outra – ao passo que no sentido político-administrativo, os conceitos centralização e descentralização são conceitos relativos: poderá haver mais ou menos centralização, haverá mais ou menos descentralização, é tudo uma questão de grau. Dificilmente haverá neste sentido, um sistema totalmente centralizado ou totalmente descentralizado.”[2]

Considerando estes dois conceitos diria que na I República, o Estado foi centralizador, no raciocínio teórico de que o Estado devia ser unitário e todas as atribuições administrativa conferia-lhe. Só timidamente nos finais dos anos oitenta, mesmo considerando o Poder Local como um Órgão de Soberania (art.º 49), podemos “considerar que os concelhos não eram autarquias locais, mas meras circunscrições administrativas lideradas por um funcionário público nomeado pelo Governo Central para representá-lo nas suas diversas áreas territoriais”[3]. A designação de município não existia durante muito tempo, só introduzido a partir da Lei Bases das Autarquias Locais de 89, definindo regras de organização e de funcionamento das Autarquias.

Dito isto, a conclusão que se tira é que durante a I República deu-se pouca importância ao Poder Local e conferiu-se poucos atributos administrativos aos autarquias, situação que se irá inverter-se com a aprovação da Constituição de 92, onde é plenamente reconhecido as atribuições e competências a entidade Local. Se um dos ganhos da Constituição de 92 refere-se a descentralização, estamos cientes de que ela, segundo Freitas de Amaral só pode ser mais ou menos descentralizada. Qualquer que for o grau da descentralização em Cabo Verde, ela depende sempre da Constituição.

O quadro legal a descentralização político-administrativo estabelece a relação de poder existente entre o Poder Central e o Poder Local. E é nessa perspectiva, tendo em conta relatividade do grau da descentralização, o Modelo de Descentralização em Cabo Verde – Intermédio. Não é forte, porque não permite a criação duma forma de Governo; não possibilita a autonomia e não coloca limites à presença do poder central nos municípios. Também não é Fraca, no sentido de colocar de lado todos os actores políticos, caracterizando-se no congelamento do processo de descentralização.

De momento o Modelo de Descentralização é Intermédia, privilegiando o esforço da municipalidade, do que na criação de novas formas de administração local supra-nacionais, o que se quer dizer a Regionalização política. Antes de debruçarmos relativamente sobre a problemática Regionalização, há que salientar as inconsciências e relevâncias da descentralização.

Num cenário arquipelágica e de escassos recursos financeiros, de fraca formação profissional e de alguma descoordenação municipal. As desvantagens da descentralização “geram alguma descoordenação no exercício da função administrativa; abri portas ao mau uso dos poderes discricionários da Administração por parte de pessoas nem sempre bem preparadas para exercer a função. Mas o campo das vantagens é muito mais alargado, a descentralização garante as liberdades locais, servindo de base a um sistema pluralista de Administração Pública; proporciona a participação dos cidadãos nas tomadas de decisões em matéria de interesse local; permite os problemas sensíveis as populações locais e facilita a mobilização das iniciativas e das energias locais para as tarefas de administração públicas. E em princípio, é a solução mais vantajosa em termos de custo-eficácia.”[4]  

Tem-se debruçado muito sobre a problemática da regionalização, e muitos são os modelos defendidos e apresentados. A ênfase dos discursos políticos em Cabo Verde, nas mais diversas esferas partidárias e de sociedade civil debruça-se na necessidade de que cada ilha ou região tem a sua particularidade e a potencialidade de rentabilizar estes recursos teriam maiores benefícios se houvesse uma forte descentralização da administração pública – na óptica de quase uma autonomia alargada ou por região/ilhas ou por agrupamento de ilhas.

Wladimir Brito[5], defende por exemplo que a questão da organização administrativa em Cabo Verde deve ser debatida, não a partir de modelos exteriores, sim, tendo em conta a dimensão geodemográfica, a natureza insular e a relação beneficio/custo. E que a problemática da regionalização deve ser tratada sob este ponto de vista, prestando atenção a aproximação das instituições públicas – quer integram a administração autónoma, quer directa quer indirectamente – deve ser a principal preocupação na escolha dos modelos de organização administrativa do país. Acresce a tudo isto que num país arquipelágico, toda essa organização não pode perder de vista três grandes vectores, a saber:

1. - A complementaridade inter-ilhas ou entre conjunto de ilhas;

2. - A solidariedade intra-ilha e inter-ilhas;

3. - A racionalidade do modelo de organização.

Os dois primeiros vectores decorrem da natureza insular do país e o último tem uma natureza económico-financeira e funcional que determina a necessidade de rentabilizar meios humanos e materiais e de racionalizar a sua utilização.

Só que para se chegar a este grau de descentralização – Regionalização – o Governo teria em primeiro lugar de efectuar um estudo multidisciplinar para que ao concretizar a autonomia ilha ou grupo de ilhas o Governo teria de ter um verdadeiro conhecimento sociocultural e económico do modelo seguido, tirando assim maior proveito das potencialidades regionais. Mas também teria o Governo que buscar a concentração no reforço das capacidades humanas, financeiras e infra-estruturais e procura conjugar, ponderar e harmonizar o processo de descentralização com o processo de desconcentração, enfim, o mandamento constitucional de devolução de poderes com outro mandamento constitucional de provimento de serviços públicos eficientes e de qualidade.

Rony Moreira




[1] Freitas de Amaral: 1999,693
[2] Freitas de Amaral: 1999,694
[3] Parâmetros Do Processo Conjunto De Descentralização e Desconcentração Do Estado, pagina 2
[4] Freitas de Amaral: 1999,695
[5] Waldimir Brito in Em Busca De Um Modelo Adequado De Organização Administrativa Em País Arquipelágico.